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quinta-feira, outubro 09, 2008

Quando se trata de Palestina e Israel, os EUA simplesmente não entendem nada*


Robert Fisk

Os palestinos deixaram de existir nos EUA, 3ª-feira à noite. Joe Biden e Sarah Palin deram jeito e não pronunciaram a palavra-veneno. “Palestina” e “palestinos” – conceitos cancerosos, escorregadios, perigosos – simplesmente viraram inexistentes, no debate dos candidatos à vice-presidência.

A expressão “ocupação por Israel” deus seja servido não apareceu. Nem “colônia de judeus” nem “assentamento de judeus” – sequer “vizinhança israelense”, invenção acovardada do jornalismo norte-americano – deram o ar de sua graça. Nada.

Aqueles audazes competidores pela vice-presidência dos EUA, tão rápidos ao demonstrar tanta audácia no que tenha a ver com “defesa”, esconderam-se como coelhos, fugindo do epicentro do terremoto do Oriente Médio: a existência de um povo na Palestina. Claro, falou-se de uma solução “Dois Estados”, mas só para enganar, porque ninguém entende a Região.

Biden bem que quase pareceu provocar George Bush, que teria pressionado a favor das “eleições” – outra vez, ficou faltando a parte “na Palestina” – que levou à vitória do Hamás. Mas foi como se o Hamás só existisse em alguma terra-do-nunca-nunca, vasta paisagem que gradualmente se vai convertendo em desertos negros imensos que se estendem, na imaginação dos políticos norte-americanos, do Mediterrâneo ao Paquistão.

“Os mísseis (nucleares) paquistaneses já podem atingir Israel”, trovejou Biden. Mas… que conversa é essa?! O Paquistão não ameaçou Israel. Que se saiba, o Paquistão é aliado dos EUA. Os dois candidatos pareciam pensar que seu aliado na “guerra ao terror” teria virado a casaca e ter-se-ia coligado ao eixo do mal. Nem o Islam escapa à tentação.

Um dos boletins mais engraçados da semana, mais uma investigação sobre a educação de Obama, veio da agência de notícias Associated Press. O aspirante à presidência, anunciou a Associated Press, freqüentou escola muçulmana, mas não “praticou” o Islam.

Que diabo significa isso?!, pensei comigo. A Associated Press noticiaria, por exemplo, que McCain freqüentou escola cristã, mas não “praticou” a cristandade? Então, entendi. Obama fumou Islam, mas não tragou.

Viajando pelos EUA essa semana – de Seattle a Houston e Washington e daí a Nova York – por toda parte tropecei nos efeitos do terror induzido pela Casa Branca. Num almoço, uma senhora bem-educada, de classe média alta, virou-se para mim e contou-me sobre seu medo, “porque o Islam quer tomar a América”. Quando tentei sugerir que assim, francamente, já era demais, ela informou-me que “os muçulmanos já tomaram a França”.

Como se responde a uma coisa dessas? É como ser informado por alguém pressuposto racional e são de que os marcianos pousaram ontem no Tennessee. Tive de usar o golpe do velho Fisk, quando cercado por adeptos da religião do “digamos que George Bush inventou o 11/9”. Olhei o relógio, adotei cara de susto e gritei: “Tô atrasado!”

Falando sério. Lá estava Biden, na 3ª à noite, contando que na faixa de fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão – referia-se, é claro, à antiga fronteira traçada por Sir Mortimer Durrand, considerada peça de ficção pelos pashtuns (e, portanto, por todos os taliban) – “foram construídas 7.000 madrassas ... numa das quais mora bin Laden, onde o procuraríamos, se tivéssemos realmente inteligência (sic)”.

Sete mil? De onde, santo deus, saiu esse número? Sim, há milhares de escolas religiosas no Paquistão – mas não todas, é claro, na fronteira. Em outro extraordinário golpe de inventar mitos, o homem de Obama disse que “chutamos o Hizbóllah para fora do Líbano” – o que é perfeita mentira.

E, é claro, Israel – palavra que deve ser pronunciada, repetidamente, quanto mais, melhor, por todos os candidatos nos EUA – é o centro que mantém equilibrado todo o Oriente Médio, “nação pacífica e amante da paz, nosso melhor e mais forte aliado no Oriente Médio” (Palin falando)..., que ninguém “defendeu mais aplicadamente, no Senado dos EUA, que Joe Biden” (Biden falando).

Israel estaria “sob grave risco” se os EUA conversassem com o Iran”, Palin revelou. “Temos de garantir a Israel que jamais permitiremos um segundo Holocausto”. E outra vez acordaram o cadáver de Hitler – exatamente como McCain operou a ressurreição das sombras da II Guerra Mundial, quando cacarejou sobre o senso de responsabilidade de Eisenhower antes do Dia D. Que Israel pode defender-se muito adequadamente com 264 ogivas nucleares, é claro, ninguém disse, porque ver e fazer ver o real poder de Israel destrói a imagem de país pequeno e vulnerável, cuja defesa depende dos EUA.

Os israelenses merecem viver em segurança. Mas onde está a segurança que devemos garantir aos palestinos? Onde se meteu a simpatia com que os norte-americanos considerariam qualquer outro povo que viva hoje sob ocupação? Dessa simpatia, desnecessário dizer, não se viu nem rastro. Porque temos de endurecer, preparando-nos para a próxima guerra contra o mundo do mal no Paquistão.

Biden chegou a “exigir” governo “estável” em Islamabad, o que beira a total hipocrisia, poucos dias depois de soldados dos EUA terem invadido a fronteira legal e soberana do Paquistão e explodido uma casa que, disseram, seria usada pelos taliban. E disse o General David Petraeus ao The New York Times essa semana, “Andamos na direção errada, no Afeganistão (...). Será muito difícil retomar o controle em várias áreas que os taliban reocuparam”.

É uma situação esquisitíssima. Obama e Biden querem dar por concluída a operação Iraque e re-conquistar o Afeganistão. Para a Escola Palin de Clichês, tratar-se-ia de “aceitar a bandeira branca da rendição no Iraque”, ao mesmo tempo em que continua a alertar contra os perigos que vêm do Iran, onde só o nome daquele presidente ensandecido, Ahmadinejad, bastou para derrotar McCain, no pseudo debate da semana passada, três vezes.

E é sempre a mesma velha história. A única lição que aprendemos nos EUA, nessas duas semanas, citando “Oh! Que delícia de guerra”, de Joan Littlewood, é que a guerra continua.

* ROBERT FISK © The Independent, UK. Na internet, em http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisks-world-when-it-comes-to-palestine-and-israel-the-us-simply-doesnt-get-it-950812.html.

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